José dos Reis Santos foi classificado com uma obra que fala do desafio de levar consolo às pessoas durante a pandemia. É sua décima premiação literária
Texto: Lívia Ferreira – Foto: Aluísio de Souza
Um jardineiro recebe uma missão dada pelo “Senhor das Palavras”: levar consolo às pessoas que sofrem com a pandemia – “aos que choram seus mortos pelas ruas vazias, aos que buscam um fio de esperança, aos que esperam pelo bálsamo da vida, aos que caminham sem um norte, aos que imploram por mais algumas horas…”
Sem palavras, impossibilitado de cumprir a determinação, impotente ante os impactos de uma doença que ceifou vidas e sonhos, tudo o que o jardineiro tem a oferecer ao mundo é um jardim florido, do qual cuida com muito carinho.
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Concurso
Este é o fio condutor do poema “O Senhor das Palavras e o Jardineiro”, que deu ao jornalista, professor e escritor de Passos José dos Santos Reis, 59 anos, o terceiro lugar no concurso Nature Internacional Literary Contest (Concurso Literário Internacional da Natureza, em tradução livre). A disputa aconteceu em parceria com a revista literária Synchchaos.com, da Califórnia (EUA), o blog literário português Talesforlove e o Maximum Potential Education. “A primal colloquy”, de Joseph (USA), e “A Quarantine Visitor”, de Jill G. Hall (USA), levaram o primeiro e o segundo lugar, respectivamente.
Mais de 300 escritores de 30 países participaram do concurso ao redor do mundo com contos e poesias. O livro com os contos e poemas vencedores será publicado em PDF e na versão impressa em Portugal, Estados Unidos e Romênia.
Madrugada
O concurso premiou obras em inglês. Curiosamente, foi durante uma madrugada que Santos acordou com os dois primeiros versos na cabeça, já na língua de Shakespeare – uma espécie de epifania literária. Ele continuou desenvolvendo a obra em português e pediu ajuda à sua professora de inglês na Faculdade de Letras, Larissa Pádua Silveira, para revisar a tradução. Àquela altura o escritor ainda não sabia da existência do concurso. “Quando fiquei sabendo, eu já estava traduzindo o poema para o inglês”, recorda-se. Assim nasceu “The Lord of the Words and the Gardener”, título em inglês.
Palavras
Santos já transita há décadas pelo reino das palavras. Começou como jornalista em 1979 e, desde então, nunca mais se afastou da literatura. Escreveu contos, crônicas, poemas e teatro. Ganhou 10 concursos literários, entre eles Prêmio Paulo Leminski de Contos; Concurso de Crônicas do Instituto Federal de Uberlândia; Concurso Nacional de Contos Mario Quintana; Concurso Nacional de Poesias da Academia de Letras de Montes Claros; Concurso Internacional de Contos Vicente Cardoso e Concurso Estadual de Contos da FAE-MG.
Sementes
Natural de São João Batista do Glória, Santos leciona há 15 anos na Escola Estadual São José, em Passos. Em sala de aula, além do ensino curricular, se dedica a plantar sementes que germinam nos alunos o gosto pela literatura. Em 2017, sob sua orientação, a aluna Lorena Ribeiro, então no oitavo ano, teve uma crônica classificada entre as seis melhores do Brasil em um concurso literário.
Durante nove anos, Santos lançou anualmente um livro com contos e crônicas escritos por seus alunos do ensino regular e do Ensino de Jovens e Adultos (EJA). As obras eram impressas com apoio do Sindefurnas, do qual ele era assessor de imprensa.
Junto com outros professores convidados pela direção da Escola São José, atua como voluntário no cursinho de redação. Os concursos já lhe renderam dinheiro, viagens e bolsa de pós-graduação. Ele está na sua segunda especialização, na área de Mídias e Educação. “Sempre digo aos meus alunos que só existem três caminhos para escrever bem: ler, ler e ler”, diz.
Vamos ao poema, então?
O Senhor das Palavras e o Jardineiro
O Senhor das Palavras determinou
Que eu fale uma palavra de consolo
Aos que choram seus mortos pelas ruas vazias,
Aos que buscam um fio de esperança,
Aos que esperam pelo bálsamo da vida!
O Senhor das Palavras determinou
Que eu anuncie a chegada da luz
Aos que confiam na mão do destino,
Aos que imploram por mais algumas horas,
Aos que aguardam na fila da história!
O Senhor das Palavras determinou
Que eu declame um poema de amor
Aos que caminham sem um norte,
Aos que se desconectam da vida,
Aos que andam enfastiados com a morte!
O Senhor das Palavras determinou
Que eu cante uma nova canção
Aos que buscam uma nota de esperança,
Aos que balbuciam frases aos céus,
Aos que tropeçam nos fatos da Terra!
O Senhor das Palavras determinou
Que eu faça uma prece
Aos que buscam o sentido da vida,
Aos que bebem o cálice da perda,
Aos que digerem as súplicas de dores!
O Senhor das Palavras determinou
Que eu encontre doces palavras,
Em todas as línguas do mundo,
Para a crua realidade
Jogada na cara de tantas famílias!
Mas, ó, Senhor das Palavras,
Com todo o respeito,
Eu não consigo falar de consolo,
Eu não consigo anunciar a luz,
Eu não consigo declamar poemas,
Eu não consigo cantar uma canção,
Eu não consigo fazer uma prece,
Eu não consigo encontrar
Nenhuma palavra
Em nenhuma língua
Porque me faltam palavras
Em todas as línguas…
Eu só tenho este jardim,
Que cuido com muito carinho,
Para oferecer ao mundo!
Veja a versão original, em Inglês
The Lord of the Words and the Gardener
The Lord of the Words determined
That I speak a word of comfort
To those who mourn their dead through the empty streets,
To those who seek a thread of hope,
To those who wait for the balm of life!
The Lord of the Words determined
That I announce the arrival of light
To those who trust in the hand of destiny,
To those who beg for a few more hours,
To those who wait in the queue of history!
The Lord of the Words determined
That I declare a love poem
To those who walk without a north,
To those who disconnect from life,
To those who are bored with death!
The Lord of the Words determined
That I sing a new song
To those who seek a note of hope,
To those who babble phrases to the heavens,
To those who stumble on the facts of the Earth!
The Lord of the Words determined
That I say a prayer
To those who seek the meaning of life,
To those who drink the cup of loss,
To those who digest their pleas of pain!
The Lord of the Words determined
That I find sweet words,
In all the languages of the world,
For the harsh reality
Thrown in the face of so many families!
But, oh, Lord of the Words,
With all due respect,
I can’t speak of consolation,
I can’t announce the light,
I can’t recite poems,
I can’t sing a song,
I can’t say a prayer,
I can not find
Any word
In any language
Because I lack words
In all languages…
I just have this garden,
That I take care of with great affection,
To offer the world!