Como comer bem gastando menos
Nunca foi tão necessário se nutrir para manter a imunidade. Mas os alimentos estão caríssimos. A nutricionista Kallyne Bolognini dá dicas de substituições saudáveis e mais baratas
Texto: Lívia Ferreira
Imagem: Divulgação
Estudo divulgado em abril pelo site Poder 360 apontou que 36% dos brasileiros dizem ter comido menos ou passado fome na pandemia. Já a pesquisa Diet & Health Under Covid-19, realizada com respondentes de 30 nações em todo o mundo, mostrou que de 30 países, brasileiros são os que mais ganharam peso durante pandemia.
Mas como manter uma alimentação saudável em tempos de crise econômica e pouco dinheiro? Como substituir alimentos mais caros por outros mais acessíveis sem abrir mão de uma alimentação saudável? Quem responde estas e outras questões sobre alimentação saudável é a nutricionista Kallyne Bolognini.
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Enquanto uma parcela da população brasileira está comendo menos ou até passando fome durante a pandemia, outra está engordando. Quem está engordando necessariamente está comendo mais? Ou está comendo errado?
Para acontecer ganho de peso é preciso um balanço energético positivo, ou seja, você tem queingerir mais calorias do que seu corpo necessita ou gastar menos calorias ou as duas coisas: comer mais e gastar menos. Mas essa é uma visão bastante reducionista do excesso de peso. Ainda temos a questão do estresse, da privação de sono, de alterações hormonais e metabólicas, orquestrando o cenário obesogênico no qual nos encontramos. A alimentação da população brasileira hoje apresenta alta densidade calórica – e a porção não precisa ser gigante para ter calorias em excesso. O aumento de peso acontece sem grandes sacrifícios. A questão é que o adipócito, a célula de gordura, produz citocinas inflamatórias que, por sua vez induzem à resistência da ação da insulina, que é um hormônio que guarda mais gordura e ainda prejudica o funcionamento da tireóide, a glândula responsável pelo metabolismo de todo o corpo). Isso sem citar que esse padrão alimentar chamado de ocidental – rico em açúcar, gorduras, sódio e industrializados – propicia um microbioma intestinal caótico. E já temos conhecimento que, a depender da população de microorganismos que habitam nosso intestino, teremos mais ou menos absorção de calorias, sentiremos mais ou menos fome. É uma grande bola de neve que vai acontecendo para que a população engorde e se mantenha engordando.
Alimentos integrais são sempre recomendados por nutricionistas como alternativa saudável de nutrição. O problema está no preço. Por que ainda são tão caros?
O que não está caro hoje, né? A indústria visa o lucro. O preço sobe porque o consumo aumenta. Você também paga pela embalagem bonita, pelo artista que faz a propaganda do produto e por aí vai…
Mas na verdade temos que nos atentar para os “falsos saudáveis”. Regra geral: na lista de ingredientes dos alimentos é preciso ter apenas nomes conhecidos. Se tiver aqueles estranhos de pronunciar, saiba que são preparados em laboratório – os conservantes, estabilizantes, corantes, aromatizantes…todos os “antes”. Esses aditivos imitam alguns hormônios, atrapalham nossas sinalizações internas de fome e saciedade e ainda superestimulam nosso paladar. Aí quando você come uma maçã acha tão sem gracinha.
Compre os ingredientes e faça você mesmo. Quem sabe até comece a vender e, ao invés de reclamar do vento, solte pipas!
Ou melhor ainda: explore a natureza…ali já tem tudo de que precisamos.
Você poderia listar substituições saudáveis de alimentos mais caros por alternativas mais baratas?
Como disse, o melhor é olhar para o mais natural possível. Alimento sem processamento da indústria. As frutas, verduras, legumes, leite, carne, ovos, cereais. Em vez de um pão integral caro, use inhame, batata doce, mandioca ou compre uma aveia e, com ovo, sai uma panquequinha gostosa. Compre 1 copo de iogurte natural (2 ingredientes) e faça o seu 1 litro de iogurte caseiro. Prefira as hortaliças e frutas da época – além de mais saborosas, nutritivas e baratas, pedem um teor reduzido de agrotóxicos. E claro, se organize e planeje para evitar o desperdício, porque comprar e não usar fica caro mesmo. Essa alimentação com teor adequado de fibras propicia saciedade. Porque se tiver que ficar saciado às custas de arroz, feijão e carne, pode ser que pese no orçamento. E já que estamos pesados demais é comer menos, mastigar! A mastigação, em nível intestinal, libera o hormônio GLP1, que dá um comando ao cérebro para cessar a fome. O problema é que a maioria de nós já acabou de comer – e comer em excesso! – quando a sinalização de saciedade chega ao seu destino.
Em tempos de pandemia de uma doença que se comporta de maneira tão diferente entre as pessoas, existe uma alimentação padronizada, que fortaleça o sistema imunológico?
O sistema imunológico é resultado de uma construção ao longo do tempo. Não adianta correr pra tomar própolis. Os nutrientes mais envolvidos na imunidade são vitamina C (presente nos cítricos), Zinco ( carnes, ovos, peixes, frango, leite, castanhas e sementes, feijões, cereais integrais), Selênio ( 2 castanhas do Pará já oferecem a necessidade diária), vitamina D (sol é a principal fonte), ômegas (peixes gordurosos e sementes) por exemplo. Novamente caímos numa alimentação natural, colorida e que já fornecerá os principais nutrientes, com potencial anti-inflamatório e antioxidante, que vai modulando o sistema de defesa do corpo.
As perdas de pessoas queridas e o medo de adoecer têm levado muitas pessoas a desenvolver transtornos mentais, como ansiedade, por exemplo. Existem alimentos que podem ajudar no combate à ansiedade?
Um profissional de saúde mental para dar o contorno individualizado ao caso é imprescindível. Mas em relação à alimentação, os alimentos ricos em magnésio (semente de abóbora, folhas verde-escuras, castanhas, feijões, salmão) e complexo B (amplamente encontrado em frutas, verduras, legumes, cereais, carnes, ovos, peixes, leite e derivados) entram na composição da molécula de serotonina, um hormônio neurotransmissor que causa bem-estar. A própria alimentação rica em fibras é combustível para crescimento de “bactérias do bem” no intestino, que vão produzir mais serotonina também no intestino.
Outra classe são aqueles alimentos que estimulam o neurotransmissor GABA, que gera sensação de tranquilidade: melissa, maracujá, erva-doce, mulungu.
Cabe salientar que açúcares e farinhas brancas geram excitação e, portanto, ainda mais agitação – o que não é interessante para uma mente ansiosa. E como são absorvidos rapidamente, você busca novamente por aquela energia rápida, porém momentânea.
Pesquisas mostram que nunca se dormiu tão pouco. Qual a relação entre sono, imunidade e controle de peso?
Noites mal dormidas geram estresse. Privação de sono é tortura e aumenta a produção do cortisol. Esse hormônio, liberado em decorrência do estresse, é capaz de causar acúmulo de gordura e também retenção hídrica. Sem contar que, pra nos mantermos acordados ao longo do dia, lançamos mão de alimentos calóricos: um chocolate, um açaí com ninho e Nutella, um pão de queijo recheado à tarde e por aí vai.
Esse estresse crônico descontrola o sistema imunológico e ficamos, portanto, mais suscetíveis. Já deve ter acontecido com você: descobrir um problema de saúde após abalos emocionais fortes. O estresse a que foi submetido abalou o sistema de defesa, e em seguida, alguma doença escondida foi deflagrada. Um eixo muito forte é cérebro x intestino. Uma doença psicogênica que vem numa crescente é a síndrome do intestino irritável. Seu diagnóstico é feito por exclusão, quando se testou tudo e não se encontrou nada para as alterações na frequência e consistência das fezes e dores do paciente. Além de mudar a alimentação para modular esse intestino, o paciente tem de cuidar da mente, do estresse. É aquele ditado: “A mente sofre e o corpo padece”.
O que precisa ficar claro é que temos que atacar todas as frentes. A alimentação é um dos pilares. Também é preciso se exercitar, dormir bem e manejar o estresse. Senão é nadar e uma hora morrer na praia.