
Apesar das diferenças nas acusações e nos estágios processuais, os casos de Leo Lins e MC Poze do Rodo nos levam a questionamentos importantes sobre os limites e a essência da liberdade de expressão em uma sociedade democrática. Se Leo Lins foi condenado por falas que, embora “humorísticas”, foram consideradas discriminatórias e geraram dano coletivo, e MC Poze do Rodo está sob investigação por conteúdo que supostamente faz apologia ao crime, a discussão sobre onde a linha deve ser traçada se torna ainda mais crucial.
A liberdade de expressão é um pilar fundamental de qualquer democracia, garantindo a todos a possibilidade de expressar livremente suas opiniões, ideias e manifestações artísticas e culturais, sem censura. Tanto Leo Lins quanto MC Poze do Rodo, em seus respectivos campos, se valem dessa prerrogativa para produzir seu conteúdo. É imperativo reconhecer que a “arte”, seja ela na forma de comédia stand-up ou de funk/rap, muitas vezes desafia convenções e provoca o debate, e nem todo conteúdo, por mais agressivo ou de “péssimo gosto” que possa ser considerado por alguns, deve ser imediatamente criminalizado.
É nesse contexto que a preocupação com a censura no Brasil se torna latente. As decisões judiciais em ambos os casos, que resultaram em remoção de conteúdo (temporária no caso de Leo Lins, até a decisão do STF) e restrições à liberdade de expressão, embora com fundamentos legais, acendem um alerta.
A discussão sobre o que é ou não “liberdade de expressão” e onde termina a “arte” e começa o “crime” está cada vez mais acirrada. O receio de que a judicialização de discursos e obras artísticas possa abrir precedentes para uma censura velada é um ponto de grande preocupação em um Estado democrático de direito. O silêncio judicial em casos de manifestações gráficas de ódio, como vimos alguns anos atrás com a representação da cabeça do ex-presidente Bolsonaro como bola de futebol, sem que nenhum indivíduo fosse penalizado por incitar o ódio, contrasta fortemente com a celeridade em outros.
Cabe à sociedade e aos indivíduos a responsabilidade de discernir o que consumir. A internet oferece um universo de conteúdos, e é intrínseco à liberdade individual a capacidade de escolher, ou não, expor-se a determinadas manifestações. Se um conteúdo é considerado “agressivo” ou “de péssimo gosto”, a resposta não deveria ser necessariamente a censura estatal, mas sim a crítica, o boicote e/ou a limitação de idade para o consumo, deixando claro que a decisão final sobre o que consumir deve residir na esfera da liberdade pessoal. Exigir que a arte seja sempre “politicamente correta” ou “agradável” a todos é limitar sua capacidade de reflexão e contestação.
A sociedade e o Poder Judiciário precisam encontrar um equilíbrio delicado: proteger os direitos de grupos vulneráveis contra o ódio e a discriminação, e combater a criminalidade, sem, contudo, cercear indevidamente a liberdade de expressão e a produção cultural. A transparência nos ritos processuais e a clareza nos critérios de decisão são fundamentais para evitar a percepção de seletividade na aplicação da lei e de um potencial avanço da censura no país. A defesa da liberdade de expressão, mesmo para conteúdos que possam ser impopulares ou controversos, é um pilar insubstituível da democracia.
Thaylla Machado Honório atua em Passos (MG). É advogada pós-graduada em Direito Penal e Lei Geral de Proteção de Dados e pós-graduanda em Direito Público