Inspiração e muita transpiração
Prestes a completar 15 anos, a Adesc está criando site que traz um resgate histórico do trabalho desenvolvido na cultura em Passos e a prestação de contas do que já produziu na cidade e região. Conheça um pouco dos bastidores da vida real de quem produz arte e cultura
Lívia Ferreira – Fotos: Divulgação/Adesc
São muitas histórias para contar: 24 oficinas culturais; 12 turmas do Curso Livre de Teatro; oito edições do Festival Nacional de Teatro de Passos e região; 11 Festivais da Criança no Teatro, dois Blocos do Gugu e duas Festas da Música – só para citar algumas.
Tudo começou com um sonho e ideias na cabeça. Inspiração e, sobretudo, muita transpiração. Esse foi o embrião da Associação de Desenvolvimento Cultural Regional de Passos (Adesc), que em 2024 completa 15 anos. E para marcar a data, a Adesc prepara o lançamento de um site com o resgate histórico do seu trabalho na cultura de Passos e região, assim como a prestação de contas de tudo o que produziu ao longo desse tempo. “O site é uma forma de estreitar o contato com quem se interessa por arte e cultura na região. E, ainda que todas as nossas prestações de contas estejam divulgadas no Portal da Transparência, disponibilizar tudo em uma página específica da Adesc vai facilitar o acesso da população a esses números”, explica Maurílio Romão, diretor de teatro e fundador da associação.
Início
Foi de Maurílio, aliás, a iniciativa de criar a Adesc, junto com outros entusiastas da arte na cidade. Nascido em Alpinópolis, teve os primeiros contatos com a arte em Passos, onde cresceu. Cursou Artes Cênicas, com habilitação em Direção Teatral, na Universidade Federal de Ouro Preto (MG). Trabalhou nas cidades de São Paulo, Belo Horizonte, Araçariguama (SP), dentre outras. “O coração, porém, não saía de Passos”, relembra.
Porco à paraguaia e noites viradas
O objetivo fundamental da associação era fortalecer a classe artística oferecendo suporte para profissionalização das ações, fomento e difusão da cultura. “Por meio da Adesc, os artistas começaram, por exemplo, a ter noção do que era um edital”, explica o ator e psicopedagogo Thales Di Carmo, integrante da associação.
O entusiasmo era muito. Mas o dinheiro era curto. Embora, na teoria, fosse possível a captação de recursos públicos para projetos artísticos, na prática, a verba não entrava. Foram nove anos sobrevivendo à base da venda de churrasquinhos nas praças, de ingressos para eventos como feijoada, porco à paraguaia, leilões, pizzas feitas pelos próprios atores. “Eram noites viradas em claro fazendo pizza para vender. A gente ganhava os insumos ou comprava mais barato”, lembra a pedagoga e atriz Juliana Mota.
Festival de teatro
Só a partir do Segundo Festival Nacional de Teatro de Passos, em 2018, a Adesc começa a receber recursos municipais para algumas de suas ações. E hoje é justamente este evento que mais projeta o nome de Passos em nível regional e nacional. Desde que começou a ser realizado, o festival já recebeu ícones da dramaturgia brasileira como José Celso Martinez Corrêa, Paulo Betti, Grupo Galpão, Gero Camilo, Rosi Campos e Os Geraldos, só para citar alguns.
São dez dias de programação, que começa de manhã e vai até o final da noite, ocupando palco, os espaços alternativos e as ruas da cidade com arte e cultura – tudo de forma gratuita.
A oitava edição acontece entre os dias 20 e 28 de julho. Para 2024, o homenageado será o ator passense Antonio Terêncio. A expectativa é de que as apresentações cheguem a cerca de 20 mil pessoas.
Prestação de contas
Fazer a arte é uma licença poética para devanear, experimentar, sair da caixa. Mas todo projeto artístico que deseja florescer com recursos públicos vai encarar o desafio da vida real: um caminho de regras rígidas e que precisam ser cumpridas à risca. Entre a apresentação do esboço inicial e a efetiva liberação do dinheiro são pelo menos dez etapas – nenhum detalhe escapa aos olhos atentos da Controladoria Geral do Município.
Se, após o evento, as contas forem reprovadas, o dinheiro precisa ser devolvido. Se não houver a devolução, a instituição se torna inabilitada para pleitear verba pública dali em diante. O recurso não pode ser liberado de forma retroativa. Há casos em que sai em cima da hora. E há casos em que não sai. Nunca houve uma reprovação de contas prestadas pela associação nesses 15 anos.
Cursos
Nem todo mundo que vive da arte tem a expertise para correr atrás de verbas e patrocínios. Pensando nisso, a Adesc, que sempre apoiou a profissionalização do setor, trouxe a Banca do Sated a Passos para certificar atores e atrizes com o DRT (registro profissional) em artes cênicas. Além disso, em 2021, a associação apoiou a realização do 1º Festival de Gestão e Produção Cultural de Minas Gerais e, mais recentemente, no mês de fevereiro, o curso de Gestão e Produção Cultural, com ênfase em elaboração de projetos culturais – o evento teve inscrições gratuitas e os recursos vieram da Lei Paulo Gustavo, via Secretaria de Cultura e Patrimônio Histórico de Passos e Governo Federal.
Democratização da arte
Embora alguns eventos que recebem dinheiro público possam cobrar bilheteria, a Adesc mantém “portões abertos”. Um dos valores mais fortes da associação é a democratização da arte. “É uma opção nossa não cobrar, pois acreditamos que democratizar o acesso à arte e à cultura é fundamental para o desenvolvimento de nossa cidade e região. Por isso mesmo, as verbas públicas são tão importantes para sustentabilidade dos projetos. Afinal de contas, apesar de a diretoria da instituição trabalhar de forma voluntária, os prestadores de serviço – diretores artísticos, produtores, artistas, técnicos e demais – precisam ser remunerados”, explica o cineasta e artista visual Piettro Garibaldi, que está à frente da presidência da instituição. Se você está no mercado de superclone, o Super Clone Rolex é o lugar para ir! A maior coleção de relógios Rolex falsos on-line!
Romantização
Juliana chama a atenção para a romantização que se faz da vida do artista. E lembra que viver de arte não é passatempo, mas uma profissão que merece ser tão valorizada como as demais. “Não é porque você ama a arte e o fazer artístico que você não pode ser remunerado pelo trabalho que faz. Não é pecado ter cachê. É preciso parar de romantizar e enxergar além da cortina da coxia. A arte transforma a vida das pessoas”, diz. Ela mesma experimentou essa transformação: perdeu o marido prematuramente, mergulhou em uma tristeza profunda e só voltou a sorrir quando passou a atuar nos espetáculos teatrais.
Teatro
Na batalha diária para não deixar a cultura em Passos definhar, um dos maiores desafios da Adesc é manter o Teatro Gustavo José Lemos – um prédio de 45 anos que abrigou algumas das maiores manifestações artísticas da cidade. Há quase dez anos, quando a Adesc assumiu o teatro, o cenário era de guerra: goteiras e palco deteriorado figuravam como o abre-alas de um triste bloco de deficiências. Quanto mais se vasculhava, mais problemas eram encontrados. O espaço estava interditado pelo Corpo de Bombeiros. “Era inacreditável”, diz Piettro.
Adequações
Eventos beneficentes garantiram a adequação às normas do Corpo de Bombeiros; reforma do palco; troca das instalações elétrica e hidráulica; piso do deck; calçada; pintura; empanamento e encordoamento. Além da reforma estrutural, foram instalados um café com programação cultural ativa e uma biblioteca com títulos ligados às artes. Em janeiro, de passagem por Passos para o lançamento de seu livro, o ator Selton Mello fez um bate-papo com a plateia ao custo simbólico de R$10 por pessoa. O dinheiro arrecadado foi investido na manutenção do espaço.
Chamamento
Como atividades permanentes, o Teatro Gustavo José Lemos abriga o curso de teatro, oficinas de teatro, música, dança e circo, assim como um cineclube. Outros grupos ligados à cultura utilizam as estruturas do espaço, que também é palco do Festival Nacional de Teatro de Passos e região e do Festival da Criança no Teatro.
Apesar de todo o empenho, a Adesc não sabe se poderá continuar mantendo o teatro. O prédio, que pertencia à Fundação Educacional Rotary Club de Passos (extinta em 2022), agora é da Prefeitura de Passos e deve passar por um chamamento público em breve.
O desafio é obter a cessão definitiva do espaço para a Adesc, que administra o teatro há quase uma década, para que a associação possa continuar mantendo o local de portas abertas e de modo ininterrupto.
E por que insistir tanto na arte e na cultura? Quem responde é Maurílio: “como não fazer isso, se é isso que a gente é?”